Arte com Alma

Lágrimas de Areia - A obra que pinta a solidão das cidades...



Quando pintei esta obra, estava a viver uma dualidade em minha vida. 

Durante a semana vivia numa grande cidade onde trabalhava. Nesta cidade, percebi que cada qual vivia a sua vida, vivendo-se anonimamente nas ruas. 

Ao fim de semana ia para uma vila mais pequena, onde meus pais tinham uma casa. Nesta pequena localidade sentia-me num ambiente próximo a todos os vizinhos e pessoas do local.

Durante quase dez anos vivi entre dois mundos, entre estas duas realidades tão ambíguas que certamente fazem parte da realidade de muitas pessoas.

Esta vivência me fez conceber um quadro  denominado “Lágrimas de Areia”, que nasceu de uma secura emocional muito forte e intensa. Em todo o quadro coloquei símbolos do que sentia e vivia neste tempo. Nada, neste quadro foi colocado por acaso.


Para começar, ao fundo os prédios revelam a cidade que me envolvia. Estes prédios amontoam-se na sua frieza, pelo que usei muitos tons cinzas e azuis, demonstrando a sua frieza emocional.


Ao centro uma figura central, humana, que não identifiquei se é homem ou mulher, exatamente porque o que o quadro retrata, refere-se a toda a universalidade humana.

Este ser central tem um véu arroxeado, quase que diria um manto fúnebre. Isto declara o que sente no seu interior, ou seja, o ser revela-se morto na sua individualidade. Para reforçar mais esta ideia, o seu corpo tem os mesmos tons dos prédios, os azuis e cinzas, o que mais demonstram a sua vontade de ficar igual ao ambiente que o rodeia, tornando-se quase invisível no meio dos prédios, um ser desprovido de personalidade própria.

Os olhos virados para cima representam a contínua esperança de que algo melhor aconteça. O rosto não revela qualquer expressão, porque nas cidades, cada qual, apesar de ter a sua vida e a sua emoção interior, não vale a pena  demonstra-la publicamente.


No lado esquerdo do quadro coloquei quatro objetos: um cálice com uma bebida, um vaso de porcelana, um lenço de seda e um relógio.

Os primeiros três objetos representam a riqueza, o status e a aparência de felicidade. Porém, o relógio representa a famosa frase: "Tempo é dinheiro." Na cidade, o tempo está friamente cronometrado, como por exemplo, o horário dos transportes públicos e os turnos laborais bem definidos, em que a falta de um funcionário ou atraso de um autocarro poderá causar transtornos sérios nos compromissos do dia a dia que cada qual tem.


O ser central encontra-se com uma mão assente na terra e a outra a deixar cair areia no chão. Esta areia que cai no chão representa a suas lágrimas, uma árida sensação de terra seca, de quem se agarra à terra (à sua realidade) e procura nela algo que já lá não está. 

Seus pés estão retorcidos para dentro dele próprio pois refletem a sua completa introspeção e individualismo. Quem vive na cidade gosta de manter a sua privacidade.


Aliás, há um completo deserto, entre o ser e a cidade que o rodeia. Este deserto emocional representa a aridez dos sentimentos do próprio ser, que apesar de viver rodeado de muita gente, mantém a sua distância, uma espécie de perímetro de segurança para continuar a demonstrar a sua superioridade e segurança inabalável.

Apesar desta sensação de solidão que a cidade oferece, ao mesmo tempo, são vários os motivos que favorecem as pessoas que optem por viver nos grandes centros urbanos. Para além de ser um local com mais recursos a nível de oportunidades profissionais e fácil empregabilidade, há livre e melhor acesso a bens mais diversificados, especialmente a nível de qualidade e preço.


Assim sendo, a cidade mima-nos com as suas oportunidades, e a própria individualidade permite maior liberdade a nível de expressão sem tanta recriminação social. Viver na grande cidade não é de todo, uma má opção. Por isso, a figura central não chora com verdadeiras lágrimas, antes contenta-se em exibir estas lágrimas a partir do pó que está a seus pés.


Este quadro expressa, antes de mais, uma realidade que a cidade encobre por detrás de toda a felicidade que promete em suas construções de pedra. 

Valerá a pena referir que também na cidade encontramos um ambiente de amizade e proximidade. Particularmente, também conheci verdadeiros amigos enquanto vivi nas cidades por onde passei. Porém, infelizmente, a vida diária numa movimentada cidade não permite que a maioria dessas relações perdure por muito tempo devido às alterações rápidas que ali acontecem. Basta uma mudança de emprego ou de casa, para os laços serem quebrados. Ciclos começam e acabam para dar lugar a novos laços sociais todos os dias.


Estes ciclos de mudança atingem o quadro em três dimensões dentro de três círculos. O primeiro círculo abrange o ser ao centro que indica a individualidade de cada um e a sua própria história. O segundo círculo refere-se ao muro que rodeia o ser, encobrindo-o no seu interior, defendendo-o do exterior de pedra que representa o motivo pelo qual o ser se encontra na cidade,  por exemplo um emprego, uma relação pessoal com outra pessoa ou um interesse comercial. O último círculo representa a própria cidade que acolhe este ser. Estes três círculos, de dentro para fora, expandem-se a partir da própria pessoa, mesmo que esta permaneça anónima.

Para terminar deixo-vos com o poema desta obra, que brevemente irá ser publicado em filme no youtube.

Até o próximo artigo da Arte com Alma de 
Gráccio Caetano!
(Rosária Grácio)




Lágrimas de Areia
Óleo sob tela
100cm X 150cm
               
Poema da Obra:

Brinda-se a esta felicidade desmedida,
Luxo, dinheiro, posição social…
E chora-se nesta solidão escondida
nesta solidão humana, permitida…
Não falo da solidão vazia de um só ser
entre as paredes e o medo de estar só…
Falo antes da amarga solidão
Que entra na alma e tanto me dói.
A solidão entre os muros de pedra,
entre os milhões que me conhecem,
que nas redes sociais me escrevem
sem nunca se interessarem pelo que vivo
pelo que sinto ou pelo que realmente sou…
(Poema de autoria de Rosária Grácio)

Conheça mais sobre a obra de Gráccio Caetano Atelier no seu site:


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